Nicolas Basilio

Cooperativismo: quando o cooperado é trabalhador autônomo e quando é empregado?

A Lei n. 8.949/1994 alterou a CLT e acrescentou ao art. 442 um parágrafo único no qual se estabeleceu que qualquer fosse o ramo de atividade da cooperativa, não existiria vínculo de emprego entre ela e seus associados e nem entre seus associados e os seus tomadores de serviços. 

Isso quer dizer que é permitida a contratação de mão de obra cooperada em substituição à mão de obra subordinada, isto é, substituir empregados por cooperados?

Antes de responder essa pergunta, é preciso saber o que é cooperativismo e o que caracteriza o vínculo de emprego

O que é cooperativismo?

A Lei n. 5.764/1971 estabelece o que é o cooperativismo e regula muitos aspectos sobre seu funcionamento, as relações entre os membros entre si e outras questões. 

  Na lei, por exemplo, define-se a sociedade cooperativa como aquela em que “pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro” (art. 3º). 

Além disso, elas se destinam a “ prestar serviços aos associados”,  além de ter deliberações sempre por votos singulares, isto é, um voto por associado.

Em resumo, as cooperativas são sociedades constituídas por profissionais que atuam em determinada atividade econômica com a finalidade de que a cooperativa lhes preste serviços, contratando seus serviços com tomadores, fornecendo-lhes cursos profissionalizantes ou de atualização profissional, sendo imprescindível que os cooperados sejam os verdadeiros donos do negócio, ou seja, nas assembleias devem se decidir tudo o que diz respeito à remuneração, distribuição de sobras, enfim, tudo o que toca à gestão e administração da sociedade. 

Infelizmente, porém, o instituto desenhado para trazer democratização e participação efetiva de trabalhadores tem sido utilizado por empresas para contratar trabalhadores verdadeiramente subordinados, ou seja, empregados sem direitos trabalhistas

Mas, como saber se o trabalhador é empregado e não cooperado?

Fui contratado como cooperado, mas sou empregado

Os artigos 2º e 3º da CLT elencam elementos que caracterizam o vínculo de emprego, ou seja, caso presentes na dinâmica da relação de trabalho, eles bastam para demonstrar a existência de relação de emprego, pouco importando como essa relação foi formalizada.

Também na relação entre cooperados e a cooperativa ou entre os cooperados e a empresa que tome os serviços do cooperado pode, na verdade, servir para esconder uma relação de emprego.

Mas quais são os indícios a demonstrar que o cooperativismo é falso e o cooperado é, na verdade, empregado?

Primeiro, verifica se estão presentes os elementos caracterizadores da relação de emprego.

Assim, caso se trate de trabalhador que preste serviços a um único tomador (pessoalidade), ou que não tenha possibilidade de escolher outro tomador entre os clientes da cooprativa; se tiver horários e dias previamente definidos pelo tomador ou pela cooperativa (não eventualidade), cuja atividade seja controlada e os serviços distribuídos por alguém que lhe seja superior na empresa (subordinação), mediante salário (que pode ser por hora, dia, semana, mês, e até mesmo por comissão) não há cooperativismo, mas vínculo de emprego. 

Também, há outros indícios, como indicamos a seguir:

  • Caso o trabalhador nunca tenha participado nem tenha sido convocado para assembleia e sequer conheça alguém que tenha participado de alguma;
  • Caso o trabalhador, caso tente participar de assembleia, seja impedido de fazê-lo, seja por incompatibilidade de horários, seja por excesso de burocracia que o imede de participar da gestão do que, em tese, é seu;
  • Se nunca receber distribuição de sobras, que ocorre quando a cooperativa arrecada mais do que gasta com sua estrutura e salários;
  • Quando a estrutura da cooperativa é hierarquizada a ponto de tornar impossível a participação do trabalhador nas decisões;
  • Quando a cooperativa não oferece qualquer serviço ou benefício ao cooperado, mas apenas intermedeia o pagamento de sua remuneração com o tomador dos seus serviços

Quando o cooperado é, na verdade, empregado, quais seus direitos?

O trabalhador cooperado indevidamente, porque na verdade empregado, pode ter reconhecidos todos os direitos do trabalhador registrado, o que deve fazer movendo  ação judicial contra a cooperativa e o efetivo empregador. 

  Assim, caso a ação seja julgada procedente, o trabalhador  tem direito à limitação do horário de trabalho, com pagamento de horas extras com o adicional previsto em acordo ou convenção coletiva; às férias de 30 dias remuneradas com mais um terço; ao décimo terceiro salário; ao recolhimento de FGTS; caso dispensado sem justa causa, tem direito à multa de 40% sobre o FGTS e também ao aviso prévio, além do pagamento proporcional de 13º salários e férias. 

  Deve receber, ainda, todos os direitos previstos em acordos e convenções coletivas, como cesta básica, reajustes salariais, respeito ao piso da categoria, etc. 

  Além das parcelas remuneratórias, tem direito ao registro do contrato de trabalho na Carteira de Trabalho, fazendo prova da condição para o INSS, inclusive com o salário correto.  

Quando o cooperativismo é legítimo, quais os direitos do trabalhador cooperado?

Embora a situação seja muito rara, existem sim cooperativas legítimas, cujos sócios-cooperados são trabalhadores autônomos, que contribuem para a gestão da cooperativa e recebem da entidade serviços que melhoram sua condição de vida

A Lei. 12.690/2012 – diante do uso ilegal de cooperativas de serviço para o trabalho subordinado, com finalidade de subtrair direitos trabalhistas – estipulou  que o cooperativismo não pode ser usado para a contratação de mão de obra subordinada e, muito menos, para submeter trabalhadores, mesmo que autônomos, a situações desumanas e humilhantes. 

Por isso, mesmo para as situações em que há o legítimo cooperativismo, a lei assegurou aos sócios-cooperados direitos como:

  • retiradas não inferiores ao piso da categoria profissional e, caso inexistente, salário mínimo;
  • repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
  • repouso anual remunerado;
  • retirada para trabalho noturno superior à do diurno;
  • adicional sobre a retirada para as atividades insalubres ou perigosas;
  • seguro acidente do trabalho.

Além disso, o cooperado é segurado do INSS, recolhendo contribuições como autônomo, tendo direito a todos os benefícios previdenciários. 

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